03 jul 2020
Marco Vieira de Moraes
Aos 69 anos, o atleta e professor Flávio Rubens Cipriano ainda sonha com um centro esportivo para Itapetininga, onde as crianças pudessem praticar esportes com segurança e longe das drogas e violência. “A sociedade ganha com isso”, afirma Cipriano, com a experiência de quem, em mais de 40 anos de esporte, orientou, treinou e acompanhou cerca de 8,4 mil crianças, tonando-se padrinho de crisma e casamento de muitas delas.
“O técnico tem de ir até a criança, ver a realidade dela, o que ela come, como ela anda; hoje não basta a criança ir até o local do treino”, diz o veterano atleta, que já desenvolveu trabalho voluntário com crianças de comunidades carentes de Itapetininga.
Atualmente, entretanto, ele não se envolve mais diretamente nas ações. Ainda assim, organizou recentemente eventos para angariar fundos para várias ações sociais da cidade, entre eles o Lar das Meninas, o Projeto Mãos à obra e o Projeto Flanelinha, entre outras iniciativas.
Lado social
“Muitos ainda não têm a visão de que o esporte é importante para a periferia e para as crianças”, afirma Cipriano, acrescentando que, desde que começou no esporte, sempre quis ajudar a garotada. “Saía do ginásio, onde trabalhava na limpeza da quadra, dos vestiários e do banheiro e ia para pista. Aí já fazia escolinha de treinamento e comecei a gostar de ser professor e fiz faculdade (de Educação Física)”, conta o atleta, explicando que “a criança, na minha época, não tinha nada para sair do marasmo e ser útil para a sociedade. E o jovem precisa sair do marasmo”.
Para Flávio Cipriano, a periferia precisa de mais ações do Poder Público em vários setores, incluindo, claro, o esporte. “O poder público tem de enxergar e chamar a população para discutir as ações, ouvir a sociedade e detectar o que falta na periferia. Mas não apenas discutir: precisa pôr em prática e isso tem de ser rápido, pois o traficante não espera. E o que é oferecido na periferia? Nada!”, afirma o professor, observando que os bairros periféricos não possuem, por exemplo, uma pista de caminhada ou uma quadra poliesportiva. “O esporte é importante para afastar as crianças das ruas e das drogas”.
Cipriano sabe do que fala. Muitos de seus ex-alunos hoje são adultos e seguem carreiras como no Direito (juiz), Forças Armadas (general) e na polícia. “Recentemente fui convidado para a homenagem a uma ex-aluna que está terminando a escola de soldados da PM (Polícia Militar), em Sorocaba. Isso é emocionante; é isso que me dá sustentação para viver”, conta o professor que, embora aposentado, não para e, além do trabalho com crianças, ajuda candidatos de concursos públicos a se prepararem para as provas de aptidão física e ainda orienta um time feminino de vôlei.
Início
Nascido em um sítio no município de Buri e filho de ferroviário, Cipriano chegou à Itapetininga quando tinha quatro anos de idade. Ele começou a praticar esporte durante o Tiro de Guerra.
“O sargento queria um time para representar o TG na prova 13 de maio. Nós treinamos dois meses e eu fui o terceiro colocado na prova, aí que começou a paixão e a visão de que o esporte traz futuro”, lembra Cipriano, que logo começou a treinar firme, primeiro sozinho, depois com amigos, pelas ruas da cidade. Não demorou e ele venceu os 1,5 mil e os 800 metros, em competição realizada no CASI.
No começo dos anos 70, sem um tênis apropriado, Cipriano podia ser visto correndo à noite pelas ruas mal iluminadas de Itapetininga. “As pessoas tinham medo de sair à noite e muita gente nos chamava de malucos, que não tínhamos o que fazer, muitos se assustavam quando a gente passava”, recorda o veterano atleta, que além da falta de iluminação, enfrentava as ruas de paralelepípedo, que ficavam escorregadias em dias de chuva ou com o sereno da noite, já que ele geralmente corria depois das 22 horas
Nessa época, também não havia mulheres correndo e nem participando de provas. Também não havia patrocínio e ele lembra que não ganhava dinheiro. “Uma vez ganhei um jogo de jantar”. Durante um tempo, Cipriano foi “adotado” pela FKB (Fundação Karnig Bazarian) o que fez com que ele tivesse acesso, por exemplo, a acompanhamento médico e vitaminas. “Foi um trabalho legal”.
Não tinha apoio, mas o preconceito existia. “Uma vez, participando de uma prova, ao chegar na esquina da antiga Magister, eu subi na calçada para evitar o piso escorregadio e descer a (rua) Capitão José Leme. Como eu puxava forte, deixei até a RP (Rádio Patrulha) que acompanhava a prova para trás. Quando virei a esquina duas senhoras me seguraram, pensando que eu estava fugindo da polícia! Precisou a RP chegar e avisar que eu estava participando de uma corrida”.
Em mais de quatro décadas de esporte, Flávio Cipriano foi o primeiro secretário de esportes do município, em uma época em que o orçamento de Itapetininga era de R$ 38 milhões (hoje é mais de 10 vezes mais). Ele avalia que o esporte itapetiningano “estacionou” nesse período e revela que só não faria uma coisa de novo: ser vereador e explica o motivo: “as pessoas acham que o vereador faz algo, mas ele apenas sugere, quem tem a caneta na mão é o chefe do Executivo, que é o prefeito”.