24 MAR 2021
EVERTON DIAS
A infectologista Carolina Malavazzi defende um lockdown em Itapetininga para reduzir a taxa de transmissão do vírus. Embora não tenha uma definição única, o “lockdown” é, na prática, a versão mais rígida do distanciamento social e quando a recomendação se torna obrigatória. É o fechamento de todas as atividades não ligadas à alimentação e saúde somado à proibição da população de sair de casa, exceto em extrema necessidade. Medidas assim não chegaram a ser tomadas em Itapetininga até o momento.
No cenário pandêmico, essa medida é a mais rigorosa a ser tomada e serve para desacelerar a propagação do novo coronavírus, quando as medidas de isolamento social e de quarentena não são suficientes e os casos continuam aumentando diariamente.
Carolina Malavazzi é médica infectologista formada pela Unesp-Botucatu, com especialização em Controle de Infecções relacionadas à Assistência à Saúde. Ela fez parte da Organização Médicos Sem Fronteiras, trabalhando com epidemias em países africanos.
Ela ressalta que “medidas rigorosas para o controle e prevenção da doença são fundamentais para interromper a tendência de descontrole da pandemia, mitigando efeitos sobre o sistema de saúde e, especialmente, poupando vidas”.
Leia abaixo a entrevista que a especialista concedeu ao site Cidade Itapetininga.

Como avalia a situação da pandemia em Itapetininga? A situação de Itapetininga é trágica, houve um aumento muito grande no número de contaminados e mortes e nossos serviços de saúde estão colapsando. Só para se ter uma ideia, o número de óbitos aumentou mais de 160% nas últimas duas semanas se compararmos com o mesmo período anterior.
Esse ano, em pouco mais de dois meses, tivemos mais que o dobro de casos e mortes do que todo o ano passado. Nossas taxas de ocupação de UTI estão com mais de 100% de ocupação há pelo menos 2 meses. As autoridades municipais não podem continuar negando essa situação, pois precisamos de ações urgentes e baseadas em ciência para começar a mudar esse cenário.
O que pode ter motivado o aumento do número de casos e mortes da cidade? Com certeza a falta de uma política para um isolamento social efetivo e a provável circulação de variantes mais transmissíveis da Covid-19. Para piorar esse quadro, temos um plano nacional de vacinação deficitário, que ocorre muito lentamente, estando inadequado as nossas demandas.
Quais medidas devem ser tomadas para frear o avanço do vírus? Como política municipal, temos que implantar um isolamento social rígido, um lockdown conseguiria reduzir muito as taxas de transmissão do vírus, como aconteceu em vários países, por exemplo, na Alemanha, Austrália, China, Nova Zelândia e Reino Unido, e como recentemente ocorreu em Araraquara. Por outro lado, temos que aumentar a vacinação na população, pressionar para que o governo federal não continue a boicotar essa estratégia também essencial no combate à pandemia.
O aumento no número de casos e óbitos tem relação com alguma variante? Em parte sim, porém o isolamento social em Itapetininga estava muito baixo, em torno de 45% segundo dados do Sistema de Monitoramento Inteligente do Governo de São Paulo, então provavelmente temos uma somatória de fatores.
Precisamos pressionar para que a população consiga ficar em casa, através do fornecimento de subsídios para o comércio e uma renda cidadã digna para as famílias mais vulneráveis, e isso é muito mais que os míseros R$ 250 cogitados pelo governo federal.”
Crianças e jovens também estão sendo contaminados e morrendo. Há alguma explicação?O agravamento da pandemia de Covid-19 nos dois primeiros meses deste ano não aumentou, proporcionalmente, as internações e as mortes de crianças e de adolescentes no Brasil, de acordo com análise da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) com base em dados do Ministério da Saúde. Houve um pequeno declínio das taxas de hospitalização e mortes na faixa etária de zero até 19 anos, apesar da piora no quadro geral da pandemia no país. Menos de 3% das mortes ocorreram com menores de 20 anos de idade, cerca de 1,5% em menores de onze anos, e só 0,5% ou 0,3% das mortes são em menores de 5 anos. Se pegarmos os menores de 5 anos podemos pensar que 0,3% é pouco, mas estamos falando de praticamente mil crianças desde o início da pandemia. É muita gente, não podemos nos contentar e dizer que não são importantes.
Em meio ao aumento de mortes e casos, comerciantes protestam para reabrir o comércio. Qual é a sua opinião sobre o assunto? Há estudos atualmente já mostrando que o esforço para conter a pandemia pode garantir um melhor desempenho econômico. Os comerciantes precisam entender que, com a pandemia fora do controle e com o sistema de saúde em colapso, a economia também não sobrevive; os setores estão intimamente interligados. Então, a questão não é reabrir o comércio ou mesmo fazer “vistas grossas” com a fiscalização, precisamos de um Estado que dê condições, ou seja, subsídios para que esses comerciantes consigam sobreviver com suas lojas fechadas. Como sociedade, precisamos pressionar para que a população como um todo consiga ficar em casa, através do fornecimento de subsídios para o comércio e uma renda cidadã digna para as famílias mais vulneráveis, e isso é muito mais que os míseros R$ 250 cogitados pelo governo federal.
Qual é a orientação deseja passar para a população? Acredito que a população está dividida, ao mesmo tempo que quer o controle da pandemia, também não tem informação suficiente de como se proteger e parte dela não tem como ficar em casa por questões financeiras. Precisamos nos unir e cobrar das diferentes hierarquias de governo condições para que medidas eficazes para o controle da pandemia sejam implantadas.
Quando vamos superar o vírus e o que precisa ser feito para isso? Como o trabalho dos governantes não foi feito quando deveria, estamos colhendo os prejuízos agora e, infelizmente, pagando com as vidas da população. Nas próximas semanas os números ainda podem piorar e precisamos que os políticos decretem medidas imediatas para impedir que essa tragédia continue nos próximos meses. O momento requer a adoção coordenada de medidas restritivas rígidas da circulação de pessoas com lockdown por 21 dias, preferivelmente em âmbito nacional, para redução da transmissão da Covid-19. Para viabilizar o cumprimento dessas medidas, é fundamental assegurar um efetivo auxílio financeiro emergencial até o final da pandemia às pessoas em situação de vulnerabilidade e o apoio às empresas em dificuldades de manter empregos e salários. Tais medidas devem estar associadas à aceleração da vacinação de toda a população brasileira.








