15 MAI 2021
POR ROGÉRIO SARDELA
Caçula de uma família de 15 irmãos, sendo 12 filhos do primeiro casamento de seu pai e três do segundo, Rodrigo da Silva Domingues, 39 anos, levava uma vida normal, sem qualquer problema de saúde.
Residindo no conjunto habitacional do Jardim Marabá, a rotina do funcionário público era tirar o carro da garagem e seguir para o trabalho. Durante o dia exercia atividades como vigilante no CEPROM e no período noturno, no polo da UAB, mas não reclamava e nem se cansava, para poder oferecer uma vida confortável para a esposa Silvia e o filho Gustavo, de 12 anos.
Era a última semana de janeiro quando sua tia paterna, Josefina Carlos de Oliveira Santos, de 87 anos, sentiu-se mal e foi levada para o Pronto Socorro local, com quadro de AVC.
O vigilante acompanhou os últimos dias de vida da tia que o criou desde os três anos, após o falecimento de sua mãe, Maria Rosa.
Dona Josefina, que não teve filhos, encontrou em Rodrigo a alegria e razão para viver até seus 87 anos. Seu quadro complicou e acabou falecendo no dia 05 de fevereiro, ainda hospitalizada.
Segundo Domingues, embora os médicos não tenham atestado covid-19 para a morte de dona Josefina, o velório acabou acontecendo de caixão lacrado.
Durante os dias em que dona Josefina esteve internada e necessitava de acompanhante, o revezamento era feito entre Rodrigo, sua esposa, a irmã Patrícia e o amigo André.
Os primeiros sintomas
Domingues lembra que começou a sentir-se mal no dia do sepultamento de dona Josefina, em 06 de fevereiro, quando nesta data procurou a Policlínica para fazer o teste.
Não bastasse o abalo pela perda daquela que considerava mãe, fora acometido por falta de ar e febre. Decidiu que a solução seria fazer um teste rápido no próprio hospital, este realizado no dia 08 daquele mês.
O vigilante nem imaginava o que lhe aguardava e iniciou o tratamento, tomando os medicamentos em casa, mas os sintomas persistiam. Rodrigo ardia em febre e a falta de ar só aumentava.
A internação
O pai de Gustavo evitou o quanto pôde retornar ao hospital, até que no dia 13, não suportando mais a dificuldade que sentia em respirar, não teve outra alternativa e, após avaliação médica, foi internado, estando com os pulmões comprometidos em 70%.
Começaria então seu calvário. A incerteza do amanhã. A tristeza de deixar a família.
Os primeiros dias
Segundo Domingues, nos primeiros dias de internação fazia normalmente suas refeições e até usava o celular com chamadas de vídeo para sua família, mas como seu quadro não melhorava, foi transferido para a observação do setor e não apresentando progresso, lembra ter sido avisado que no dia seguinte iria para a UTI Covid.
“Fiquei cinco dias apenas no cilindro de oxigênio, só que minha saturação oscilava muito, entre 76 e 78%”, comenta o vigilante, lembrando que quando estava sem auxílio para respirar, a saturação chegava a cair para 60 e 50% (a escala normal para adultos é de 95 a 100%).
“O médico falava que eu precisava melhorar ou seria intubado. Ficava o dia inteiro de bruços para ver se melhorava e nada. Dias e noites sem dormir, tomando remédios toda hora no braço, fazendo gasometria e nada de evoluir e via muitas pessoas morrendo a meu lado todos os dias”, revela.
Intubação
Depois de quase uma semana, num sábado pela manhã, o paciente lembra das palavras da médica, que chegou até ele e disse: “ Rodrigo, seu quadro está piorando, 68%de saturação, não adianta mais. Teremos que te intubar”.
O vigilante conta que pediu então que lhe deixassem fazer um telefonema para a família, pois queria conversar com a esposa. “Falei para a Silvia que rezasse por mim, porque a situação ficaria mais critica”, comenta, acrescentando que entre lágrimas, falou aos médicos que não lhe deixassem morrer, já que tinha que cuidar de sua esposa, filho e pai.
“Cheguei a pensar que era o fim e falei para Deus: se for de sua vontade, quero voltar a cuidar de minha família, mas se não, o Senhor é quem sabe da minha vida. Entrego minha alma agora em suas mãos. Fiz o sinal da cruz e deitei. Dormi e não vi mais nada”, continuou.
Piora
A situação de Rodrigo, que já era grave, preocupou a equipe médica quando mesmo intubado, o paciente chegou a apresentar sangramento pelo nariz e boca, quase sendo necessário passar por transfusão sanguínea.
Conforme Domingues, o mesmo chegou a ser transferido para a UTI convencional, permanecendo intubado, com os sedativos sendo retirados gradativamente, demorando a acordar e que no período em que recebia visitas, como de sua esposa e irmãos, não conseguia se comunicar verbalmente e nem se mexia, que a lucidez só fora recobrada cerca de 15 dias depois.
Pesadelos
Questionado sobre o período em que ficou intubado, Rodrigo diz não se lembrar de nada, mas que quando já estava na UTI convencional, após a extubação, teve sonhos horríveis. “É como sonhar acordado, como se o seu inconsciente jogasse tudo à sua frente, em outro lugar, com outra família, guerras, morte entre irmãos, brigas, pesadelos mesmo.”, enfatizou o vigilante.
Enfermaria e alta
Já na enfermaria e com o passar dos dias, Domingues já conseguia se alimentar, mas com movimentos limitados, necessitando da ajuda de acompanhante. Até o dia da alta, em16 de Abril, passou por sessões de fisioterapia.
Sequelas
Os 63 dias em que permaneceu internado deixaram sequelas em Domingues, físicas e emocionais.
O vigilante, que quando foi internado pesava 138kg, no dia desta reportagem, em 06 de Maio, estava com 103kg.
“Estou com o braço direito paralisado, com poucos movimentos, perna esquerda do joelho para baixo sem mexer, pouco movimento nos dedos e me recuperando aos poucos, fazendo fisioterapia três vezes por semana, só que sofro um pouco também com dor no braço direito, por causa de perda massa muscular e gordura”, desabafou.
Como é comum em pacientes internados por longos períodos, ele desenvolveu uma ferida (também conhecida como Escaras) que ainda não foi cicatrizou.
Testemunho
Fiel frequentador da Igreja Nossa Senhora Aparecida do Sul, Domingues afirmou que quando estiver recuperado, dará seu testemunho por ter vencido a Covid-19.
“Como diz o padre Marcelo Rossi, graça recebida é graça testemunhada. Minha esposa e outros familiares rezaram o terço por minha cura todos os dias”, salientou o vigilante.

Uma nova oportunidade
Para Rodrigo, mesmo com todas as sequelas deixadas pelo vírus, voltar para casa é uma grande vitória, principalmente por ter saído da UTI, “o último recurso, não é sorte, é Deus, nasci de novo”, exclamou o vigilante, observando que “muitas pessoas ainda não levam a sério a doença, na brincadeira, que só vai acontecer com os outros”.
Apoio da esposa e familiares

Silvia Machado Domingues, esposa de Rodrigo, conta que ficava aflita cada vez que tocava o telefone do hospital para informação do boletim médico, pois havia dias em que notícia era boa e em outros não.
Rodrigo não sabe exatamente como contraiu a doença, mas acredita ter sido durante os dias em que esteve cuidando da mãe no hospital. “Me descuidei, pois preocupado em cuidar dela e naquela correria, não usei luvas, toquei nas coisas que ela comia e bebia e passei as mãos em meu rosto”.
A maior parte do tempo é a esposa quem cuida de Rodrigo. Ele faz sessões de fisioterapia em casa. “Agradeço a todos que torceram por mim, pelas orações, aos familiares, amigos e à equipe do Hospital Dr. Léo Orsi Bernardes. A corrente positiva é o melhor remédio para quem está entre a vida e a morte”, finalizou.








