08 NOV 2020
CIDADE ITAPETININGA
Qual o poder da fé? Jesus disse: “se tiverem a fé do tamanho de um grão de mostarda, vocês dirão a esta montanha: sai daqui e vai pra lá. E ela irá. Nada será impossível para vocês”.
E é a fé que move a vida do seu Barbosa, um homem simples que traz no rosto as marcas do tempo e da idade, uma vida que praticamente recomeçou há duas décadas, quando, acometido por uma doença grave, recebeu o diagnóstico de apenas 15 dias de vida.
Uma situação que deixaria muitos com os nervos à flor da pele, mas não Barbosa. Ele decidiu que seu último ato na terra seria uma peregrinação de cinco dias até a cidade de Iguape, no Vale do Ribeira, distante cerca de 200 km de Itapetininga. Ele iria acompanhado de amigos e familiares, como filho José Carlos, de quem ganhou uma bicicleta para se ir na peregrinação, pois Barbosa, que na época morava na Vila Sotemo, quase não conseguiria andar todo o trajeto.
Mas a fé, essa força invisível que move montanhas e derruba poderosos e prepotentes, premiou Barbosa. Ele não apenas concluiu a jornada, mas obteve a cura de sua doença ao final da peregrinação, na Basílica de Bom Jesus de Iguape.
Hoje, passados 20 anos do início desta história, seu Barbosa agora mora no bairro São Roque e continua indo todo ano, em julho, até a cidade de Iguape. O número de participantes da peregrinação vem aumentando ano a ano. Agora, a Companhia Barbosa de Romeiros leva dezenas de pessoas neste passeio de fé e agradecimento. Este ano, entretanto, não puderam ir devido a pandemia da Covid-19.
Conheça agora a história deste homem que ganhou uma nova vida.
Emoção
“É muito emocionante essa viagem minha, no ano de 2000 o médico me deu 15 dias de vida”, conta Barbosa, lembrando que o médico ainda falou “para eu aproveitar porque meu fim estava chegando”. A notícia caiu como um raio na família, principalmente para o filho, José Carlos, que já tinha participado da romaria antes e concordou que o pai fosse dessa vez.
“Daí ele arrumou uma bicicleta pra mim e foi a pé, nessa época eu morava na Vila Sotema. Daí saí de bicicleta, ali na Tramal eu já não aguentava mais nada, eu ia voltar para trás, voltei até em cima da ponte de novo, foi como se alguma coisa me falasse assim: ‘não volte, porque se você voltar vai morrer, vai embora pra frente’. Daí fui mesmo, fui, fui, fui, quando o alcancei, estava começando a clarear o dia, comecei a tossir e escarrar, jogava bola de sangue, porque eu fumava muito e bebia um pouquinho também né, daí foi, foi até Abaitinga (bairro de São Miguel Arcanjo) jogando catarro. Ele a pé e eu de bicicleta”, lembra Barbosa.
Tombos
Ele conta ainda que “soltava a bicicleta na descida e dava o que tinha, quando parava de rodar eu caia, não aguentava andar, caia da bicicleta, depois montava de novo e ia. Chegou na Abaitinga tomei um banho, no outro dia de manhã saímos daí era água, mesma coisa que você pegar lá da torneira uma caneca d’água e colocar na boca e sentir o gosto da água ali. Daí fui jogando água, aquela água enchia a boca, fui jogando água até na barra do ribeirão. Chegando lá graças a Deus não tinha mais nada”.
A primeira viagem
O filho de Barbosa, José Carlos, lembra o começo da história. “A notícia que o médico deu quebrou meu pai no meio. Eu cheguei lá em casa depois do serviço e ele estava bem abatido e falou assim pra mim: Zé Carlos, organize uma turma aí, na época eu trabalhava com caminhão, vê o que precisa nesse caminhão para fazer um toldo bem caprichadinho mesmo. Convide o pessoal. Você vai organizar uma equipe e nós vamos pra Iguape a pé”. Era o mês de agosto, próximo da época da romaria.
Bicicleta
José Carlos diz que, como o pai não podia acompanhar a romaria a pé, surgiu a ideia dele ir de bicicleta. Antes, porém, a magrela precisa passar por consertos.
“Meu pai virou pra mim e disse que, como não podia acompanhar andando era para eu pegar a bicicleta e levar para arrumar, pois ele iria com ela”, comenta José Carlos. Ele levou o veículo até uma bicicletaria no Jardim Bela Vista, onde ficou aos cuidados do proprietário, Vanderlei, que se encarregou de fazer os reparos.
“E assim foi, marquei o dia, convidei os companheiros, preparei o caminhão; só que daí, como a gente saiu a pé, a gente saiu de madrugada, e ele saiu mais tarde de bicicleta, alcançando a gente lá no Gramadinho”, lembra José Carlos.
Mas o começo da jornada não foi fácil, como lembra o filho: “do Gramadinho pra lá… nossa!
Ele andava um pouco, ruim que tava, só que a fé dele fez isso; um milagre! Não sou eu que estou dizendo isso; a família inteira nossa sabe disso. Ele fez os pedidos para que melhorasse e que a gente continuasse com isso aí (aa romaria). Na verdade, ele estava fazendo a viagem já pra se despedir, mas não, não foi, Bom Jesus colocou a mão e quando a gente chegou em Iguape, (foram 4 dias de viagem) do segundo dia em diante ele já estava bem melhor”.
Recuperação e milagre
O milagre da recuperação do seu Barbosa serviu de estímulo para muita gente. Em 2019, a romaria que começou com seis pessoas (incluindo um motorista e um cozinheiro). Contabilizou 40 integrantes. E Barbosa continua firme e forte. “Um ano depois daquela romaria ele já estava bom. Imagine! Um ano antes, a gente estava fazendo a viaje que seria a despedida dele!”, relembra o filho. O pai acrescenta que, logo que voltou da primeira romaria, começou a trabalhar de novo, pois antes não tinha forças. “Isso foi um milagre, uma bençao”, diz Barbosa. E assim se passaram 20 anos.
A peregrinação
José Carlos conta como era a peregrinação na época. “A gente fazia em quatro dia. Eram quatro dias de caminhada e a gente chegava lá. Depois que reformaram aquela estrada do sertão, foi estabelecido um horário para entrar e sair, então daí já complicou pra nós. Por causa desse horário determinado eu peguei e fui, combinei com o meu pai da gente ir um final de semana pra lá, mais num dia que fosse assim, não num sábado, numa sexta-feira pra gente poder arrumar mais um pouso. Eu consegui arrumar mais um pouso em Registro. Hoje a gente faz a viagem com 5 dias, já tá com 2 anos que a gente faz em 5 dias. Para falar a verdade, melhorou para o pessoal, eles até agradeceram”, afirma José Carlos.
Segundo ele, atualmente a Companhia Barbosa faz duas peregrinações anuais: a tradicional, em julho, e outra no começo do ano, de bicicleta. “É mais suave e fazemos em dois dias”, conta Barbosa.
O que move é sempre a fé
“A gente é devoto de Bom Jesus, de Nossa Senhora, e a gente acredita nisso porque foi através de um milagre que o meu pai está aí até hoje né”, fala José Carlos. Ele acrescenta que a emoção é muito grande.
“Quando vai chegando perto a gente vai arrumando as coisas… vai dando uma emoção, tanto a gente, como a turma que coopera com a gente. Porque tem muita que vai junto, não nem um nem duas pessoas. Se não fosse o serviço (das pessoas) eu calculo que umas 70, 80 pessoas estariam nos acompanhando, porque é muito bonito”. Ele ressalta que, embora morem no bairro Canta Galo, a romaria parte de outro bairro nas proximidades: São Roque.
“A gente marca o dia e o horário certinho que vai sair. Aí se reúne tudo aqui, vemos se está todo mundo certinho, daí a gente fecha uma roda de oração com o terço primeiro pra gente já ir pedindo proteção e que Deus ilumine os caminhos e cada um que ali está indo. Ai a gente sai. Vai tudo, homem, mulher, criança, senhor de mais idade, que nem na nossa romaria tinha o nosso tio que era o mais velho do nosso grupo, e assim por diante. Quem desejar ir, nós não excluímos nada, a nossa companhia está de portas e corações abertos, seja bem-vindo”.